segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Quatro aprendizagens



Eu não queria ler esse livro, me era indiferente, e essa indecisão no título me repelia. Cheguei na loja e depois de dar uma olhada nos livros nacionais, perguntei à assistente se eles tinham o livro que eu queria. Ela ainda fez a menção de olhar para o computador, quando me respondeu com uma sinceridade deliberada: "Desculpe, mas nosso sistema está indisponível".

E o que é que eu tenho a ver?, pensei. Vocês são pagos para isso mesmo, buscar o livro que o cliente deseja, e não fazê-lo sair catando nessa livraria enorme. Anda, trabalha! É claro que eu só pensei. A atendente continuou no telefone com algum superior informando do serviço indisponível. Então saí à procura, contrafeito. Pilhas e mais pilhas de livros, procurei au-dessus, au-dessous, nada do livro que eu procurava. Estava perdido. Uns dez minutos de procura, entre tantos livros bons, achei dois de Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (romance, 1969) e A Bela e a Fera (contos, 1979). Saí, lógico, contrariado, pois não obtive o que desejava. Porém, o que me consolava é que eu estava levando para casa duas obras primas, no doubt...

Só não achei que iria me identificar tanto. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres de repente tornou-se o livro da minha vida, que representava um momento pelo qual eu passava, passaria, ou ainda estava. Não dá para adjetivar muito, nem posso. Dizer que esse é meu livro predileto é dizer que eu sou a melhor pessoa do mundo. E isso ninguém pode dizer (pelo menos sem provas).


Somente três pensamentos que retirei do livro, para dar um gostinho:

"Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia... Falar no que realmente importa é considerado uma gafe... Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura... Mas eu escapei disso, escapei com a ferocidade com que se escapa da peste, e esperarei até você também estar mais pronta."

"Mas parecia-lhe que assim às vezes se guardava intocada para dar-se um dia ao amor, que ela queria morrer, talvez ainda toda inteira para a eternidade tê-la toda".

"Para os que jazem encarcerados (não apenas nas prisões) as lágrimas formam parte da experiência cotidiana; dia sem lágrimas é um dia em que o coração está endurecido, não um dia em que o coração é feliz. Visto que o segredo da vida é sofrer".

Tá, vai, mais um:

"E habituar-se à felicidade seria um perigo social. Ficaríamos mais egoístas, porque as pessoas felizes o eram, menos sensíveis à dor humana, não sentiríamos a necessidade de procurar ajudar os que precisavam - tudo por termos na graça a compreensão e o resumo da vida."

Porque aprender dá prazer.

fin

2 comentários:

  1. Estou vivendo uma experiência parecida com Clarice Lispector, é meu primeiro livro dela: A hora da estrela, e as primeiras páginas são uma riqueza. Entusiasmada por sua iniciativa, também vou deixar um trechinho:"Dedico-me à cor rubra muito escarlate como o meu sangue de homem em plena idade e portanto dedico-me a meu sangue" (A Hora da estrela pg.9)

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  2. Oi Estela. Eu também começei com A Hora da Estrela, e creio que muita gente passou a ler Clarice a partir dele. Um vídeo do escritor da sua biografia, Benjamim Moser, não sei se você já viu: http://www.saraivaconteudo.com.br/Video.aspx?id=114

    =)

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